Imagine esses dois meninos cometendo o mesmo crime: pelo estereótipo, qual deles você acha que vai preso? |
E
o papo agora é redução da maioridade penal.
Antes
de mais nada, quero deixar bem claro que sou a favor de sanções a qualquer
pessoa que tendo discernimento de seus atos comete um delito. Mas é claro que o
processo punitivo não deve ser um fim em si mesmo, mas uma medida de reeducação
independente da idade da pessoa que a sofrerá.
O
que eu quero dizer com isso? Que não adianta reduzir a maioridade penal para
16, 14, 12 ou até para 6 meses de idade se a punição tiver apenas a intenção de
tirar de circulação o delinquente. Discutir a queda da maioridade penal de 18
anos para outra idade sem pensar em uma política que possa oferecer
oportunidades é praticamente a mesma lógica da palmatória que existia nas
escolas e todo mundo atualmente considera hediondo, a de punir deliberadamente porque tem que punir. Nesse sentido, a política
de dizimação da pobreza praticada todos os dias pela polícia corrupta e pelas
milícias já cumpre muito bem esse papel que querem transferir para o Estado, o
de “acabar de todas as formas com a lixaria que é o traficantezinho da favela”.
Querer
reduzir a maioridade penal sem pensar em uma política de reeducação que ofereça possibilidades do adolescente infrator mudar as perspectivas de sua própria
vida é uma forma demasiada cruel de aumentar ainda mais o apartheid social que existe entre ricos e pobres em nosso país. Ou
alguém duvida que só os filhos de pobres favelados que virão parar nas cadeias?
Digo isso porque os filhos da classe média/alta continuarão sendo protegidos
pelos pais omissos que no lugar de impor limites jogam suas responsabilidades
nas mãos das escolas que no lugar de oferecer possibilidades sociológicas e filosóficas
de conhecer e debater aquilo que nos cerca recebe o papel de doutrinar
socialmente o indivíduo. Papel este que não deve ser da instituição de ensino e
sim dos pais.
Mas
seguindo com o raciocínio: podemos sim pensar em discutir idade para a maioridade
penal. Mas por que não discutir antes formas de promover a igualdade de
oportunidades entre ricos e pobres? Que tal colocarmos como prioridade a
discussão de um novo modelo de educação de qualidade, onde o filho do favelado
terá a mesma oportunidade de estudar, aprender uma profissão, se formar e poder
viver dignamente? Por que não discutirmos infraestrutura, para que o filho do
pobre possa morar, trabalhar e ganhar um salário que dê para suprir as
necessidades básicas como manda a Constituição e a Declaração Universal dos
Direitos do Homem? Afinal de contas, aspectos comuns ao pobre como ter que conviver
diariamente com lixo, acordar às 5 da manhã para andar como sardinha em lata nos
transportes públicos, ver sua liberdade cerceada pelo poder financeiro, e muitos outros não são levados em consideração quando estamos discutindo as leis brasileiras... Por que
a discussão tem que começar de forma rasa, só pensando em punir os ladrões que
roubam um iPhone no sinal ou o traficante mirim que “coloca a vida dos
meninos de bem do asfalto no lixo”, só levando em consideração o que a classe
média perde com o pobre delinquente?
Outra
coisa a ser discutida: Por que a punição deve ser jogar o adolescente pra
apodrecer na cadeia? Que tal pensarmos na mudança profunda das leis, com uma
revisão completa da Introdução às Normas do Direito Brasileiro, do Código Penal,
da Lei de Execuções Penais? Não seria muito mais efetivo que a pena para um
roubo de um adolescente fosse “detenção
socioeducativa com obrigatoriedade de ensino básico, profissional e prática cultural-artístico-esportiva,
estendendo-se até o infrator obter formação de Ensino Médio e diploma
profissional para inserção imediata no mercado de trabalho, independente de
idade”. Se o atual modelo, que o Estado diz que é “reeducativo”, serve como
fábrica de criminosos, a culpa é do menor apreendido ou do poder constituído
que não regenera ninguém, nem adolescentes nem adultos?
Enquanto
não houver uma discussão sobre o modelo de sociedade atual, qualquer tentativa
de garantir a segurança pública será uma cortina de fumaça no meio de um
cenário caótico que é a diferença gritante entre quem tem muito e quem não tem
nada no Brasil. E da forma que a redução da maioridade penal está sendo
defendida, só servirá para manter o atual quadro de porrada no bandidinho mirim
filho do pobre, que já toma tapa na cara da polícia na favela e muitas vezes só
enxerga ter como caminho a disputa do monopólio da força com o poder público.
Fica
aí o debate. Abraços!