segunda-feira, 17 de junho de 2013

A volta...

Para ter uma ideia da dimensão do ato: estavam tomadas pelos manifestantes parte da Pres. Vargas, toda a Av. Rio Branco, a região do Largo da Carioca e da Cinelândia, a rua Araújo Porto Alegre e a Pres. Antônio Carlos.


Finalmente em casa. 

O corpo está bem, mas cansado por toda a movimentação do dia. O trabalho, a marcha na passeata, a preocupação com os companheiros que não tem experiência de mobilização... 

Já a alma? Ah... Essa não tem que consiga cansar ou abater depois de hoje. Sabe quando você deseja muito uma coisa, mas deseja tanto que acha que tê-la está muito longe das suas mãos, e quando você a consegue fica como uma criança boba querendo mostrar pra todo mundo? Então... Ver o povo na rua hoje foi exatamente isso. Pra mim é a mesma sensação, por exemplo, do pobre que vai construindo sua casa cômodo por cômodo, tijolo por tijolo. 

Me incomodava muito durante todo esse tempo de militância a fala dos pessimistas, dos acomodados, dos maldosos, que sempre diziam que o brasileiro é acomodado. Tenho quase 15 anos na mobilização e já vi grandes feitos populares nesse meio-tempo. Sei da força e do poder de mudança do povo quando ele quer e se une por uma causa. E essa segunda-feira foi isso pra mim. Não é só por 20 centavos, não é só pela obra do Maracanã, não é só pelo mensalão. É por um gigante que estava adormecido, amarrado a um fino barbante de ilusões, e que de repente com sua própria força resolve se levantar e mostrar que é altivo, potente, forte. 

Hoje foi especial. O povo brasileiro mostrou hoje, e não só com os 100 mil que foram às ruas no Rio de Janeiro, que não aguenta, não quer, não merece ser sacaneado. Chega de ter síndrome de cachorro, que vê todo mundo na casa comendo filé e fica com as pelancas no prato. Chega de ver nosso dinheiro sendo jogado nos bancos, nas obras faraônicas, nos bolsos dos canalhas, enquanto nossos filhos morrem na fila de hospitais, sendo todos os dias humilhados com uma educação vergonhosa, tendo que se sujeitar a um salário de fome. O povo quer mais, muito mais. E isso está bem claro para todos a partir de agora. 

O ato de hoje (ontem) foi lindo. Mesmo com algumas críticas a radicalização (que pra mim não deveria ter sido feita naquele momento e daquela forma), mostramos que estamos nas ruas, e o povo vai voltar até que parem de tentar fazer a gente de palhaço. Jamais nos renderemos. Eu jamais me renderei. Sejam 100 ou 100 mil, sempre estarei lutando contra quem for, contra o que for, e não me nego inclusive de dar minha vida para que o povo brasileiro possa vislumbrar no horizonte o sol da justiça. Abraços!

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Maioridade penal: uma discussão rasa e mal feita

Imagine esses dois meninos cometendo o mesmo crime: pelo estereótipo, qual deles você acha que vai preso?

E o papo agora é redução da maioridade penal.

Antes de mais nada, quero deixar bem claro que sou a favor de sanções a qualquer pessoa que tendo discernimento de seus atos comete um delito. Mas é claro que o processo punitivo não deve ser um fim em si mesmo, mas uma medida de reeducação independente da idade da pessoa que a sofrerá.

O que eu quero dizer com isso? Que não adianta reduzir a maioridade penal para 16, 14, 12 ou até para 6 meses de idade se a punição tiver apenas a intenção de tirar de circulação o delinquente. Discutir a queda da maioridade penal de 18 anos para outra idade sem pensar em uma política que possa oferecer oportunidades é praticamente a mesma lógica da palmatória que existia nas escolas e todo mundo atualmente considera hediondo, a de punir deliberadamente porque tem que punir. Nesse sentido, a política de dizimação da pobreza praticada todos os dias pela polícia corrupta e pelas milícias já cumpre muito bem esse papel que querem transferir para o Estado, o de “acabar de todas as formas com a lixaria que é o traficantezinho da favela”.

Querer reduzir a maioridade penal sem pensar em uma política de reeducação que ofereça possibilidades do adolescente infrator mudar as perspectivas de sua própria vida é uma forma demasiada cruel de aumentar ainda mais o apartheid social que existe entre ricos e pobres em nosso país. Ou alguém duvida que só os filhos de pobres favelados que virão parar nas cadeias? Digo isso porque os filhos da classe média/alta continuarão sendo protegidos pelos pais omissos que no lugar de impor limites jogam suas responsabilidades nas mãos das escolas que no lugar de oferecer possibilidades sociológicas e filosóficas de conhecer e debater aquilo que nos cerca recebe o papel de doutrinar socialmente o indivíduo. Papel este que não deve ser da instituição de ensino e sim dos pais.

Mas seguindo com o raciocínio: podemos sim pensar em discutir idade para a maioridade penal. Mas por que não discutir antes formas de promover a igualdade de oportunidades entre ricos e pobres? Que tal colocarmos como prioridade a discussão de um novo modelo de educação de qualidade, onde o filho do favelado terá a mesma oportunidade de estudar, aprender uma profissão, se formar e poder viver dignamente? Por que não discutirmos infraestrutura, para que o filho do pobre possa morar, trabalhar e ganhar um salário que dê para suprir as necessidades básicas como manda a Constituição e a Declaração Universal dos Direitos do Homem? Afinal de contas, aspectos comuns ao pobre como ter que conviver diariamente com lixo, acordar às 5 da manhã para andar como sardinha em lata nos transportes públicos, ver sua liberdade cerceada pelo poder financeiro, e muitos outros não são levados em consideração quando estamos discutindo as leis brasileiras... Por que a discussão tem que começar de forma rasa, só pensando em punir os ladrões que roubam um iPhone no sinal ou o traficante mirim que “coloca a vida dos meninos de bem do asfalto no lixo”, só levando em consideração o que a classe média perde com o pobre delinquente?

Outra coisa a ser discutida: Por que a punição deve ser jogar o adolescente pra apodrecer na cadeia? Que tal pensarmos na mudança profunda das leis, com uma revisão completa da Introdução às Normas do Direito Brasileiro, do Código Penal, da Lei de Execuções Penais? Não seria muito mais efetivo que a pena para um roubo de um adolescente fosse “detenção socioeducativa com obrigatoriedade de ensino básico, profissional e prática cultural-artístico-esportiva, estendendo-se até o infrator obter formação de Ensino Médio e diploma profissional para inserção imediata no mercado de trabalho, independente de idade”. Se o atual modelo, que o Estado diz que é “reeducativo”, serve como fábrica de criminosos, a culpa é do menor apreendido ou do poder constituído que não regenera ninguém, nem adolescentes nem adultos?

Enquanto não houver uma discussão sobre o modelo de sociedade atual, qualquer tentativa de garantir a segurança pública será uma cortina de fumaça no meio de um cenário caótico que é a diferença gritante entre quem tem muito e quem não tem nada no Brasil. E da forma que a redução da maioridade penal está sendo defendida, só servirá para manter o atual quadro de porrada no bandidinho mirim filho do pobre, que já toma tapa na cara da polícia na favela e muitas vezes só enxerga ter como caminho a disputa do monopólio da força com o poder público.

Fica aí o debate. Abraços!

domingo, 7 de abril de 2013

A rotina que nem é tão rotina assim (homenagem aos amigos Jornalistas)


Redação de algum jornal de grande circulação no Rio de Janeiro - 06/04 - 17:56h.

Editor-chefe: Bora, porra! Faltam 4 minutos pra fechar a edição!
Diagramador: Vai ter que atrasar uns 10 minutos. O pessoal de Brasília não mandou o material completo.
Editor-chefe: Caralho!!! Esse pessoal de Brasília só faz merda! Liga pro sub-chefe de lá pra pedir. E eu quero isso agora!!! Cadê a matéria de esporte?
Redator: O jogo tá acabando. Tá nos acréscimos. Segura mais 5 minutos.
Editor-chefe: Não dá pra segurar, cacete! A gente já tá mais que atrasado.

Toca o telefone.

Comercial: Para tudo que tiver fazendo. Uma multinacional acabou de fechar um contrato de meia página para a página 8.
Editor-chefe: Diagramador! Vai ter que sacrificar metade da matéria de Brasília. Se vira!
Diagramador: Não é função minha! Pede pra um dos editores.
Editor 1: Já tô ocupado pra caralho com a matéria sobre o bueiro que explodiu. Pra mim não dá!
Editor 2: Manda o pessoal de Brasília cortar lá.
Editor-chefe: Não dá tempo de esperar Brasília, caralho!!! Corta essa porra aí!
Designer: Já joguei o infográfico lá na página 2. Passa pro revisor.
Revisor: Já vi e tá tudo certo. Agora faltam as páginas 8, 14 e o caderno de esportes pra fechar tudo.
Repórter: Parem as máquinas! A matéria sobre aquele político corrupto caiu. Ordens de cima.
Editor-chefe: PUTA QUE ME PARIU!!! Só faltava essa agora. Que dia é amanhã?
Repórter: 7 de abril.
Editor-chefe: O que se comemora amanhã?
Repórter: Dia do jornalista!
Diagramador: Tá pronta a matéria de Brasília.
Redator: A do jogo também ta pronta.
Editor-chefe: Então tá resolvido! Coloca uma homenagem ao nosso dia aí na página 4 e manda pra gráfica. Fecha tudo e vamos pro bar do seu Tobias. Uma cervejinha com bolinho de bacalhau vai cair muito bem.
Revisor: Só vou se você pagar a primeira rodada.
Editor-chefe: Explorador do cacete! Tá bom, eu pago. Mas depois, a conta é no ratatá!

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Essa é a minha homenagem ao dia do jornalista. Vivemos o tempo todo sob pressão, ouvindo  esporro, comendo mal, cheios de prazos e horários. Mas fazemos porque amamos, e acreditamos em um mundo melhor e mais justo.

Parabéns para nós!

terça-feira, 26 de março de 2013

Interdição do Engenhão: Novo capítulo da agonia do futebol do Rio de Janeiro

Estádio Olímpico João Havelange: Nem cinco anos de uso, e já apresenta problemas na estrutura

E a população do estado do Rio de Janeiro, principalmente os amantes de futebol, foi pega de surpresa nesta terça-feira pelo prefeito da capital Eduardo Paes, que anunciou no início da noite a interdição do Estádio Olímpico João Havelange, conhecido popularmente como Engenhão. Vamos analisar alguns fatos correlacionados a essa medida e seus desdobramentos.

A história do Engenhão


O Estádio Olímpico João Havelange, inaugurado em 30 de junho de 2007, foi uma das principais obras da gestão do então prefeito César Maia para a realização dos Jogos Panamericanos que ocorreram no mesmo ano no Rio de Janeiro. Com seu projeto concebido no ano de 1996 e iniciado em 2003, o Engenhão custou aos cofres do município a bagatela de 380 milhões de Reais, seis vezes mais do valor inicial previsto, que era de 60 milhões. Com capacidade para 46.931 pessoas, o equipamento deverá passar por uma ampliação para os Jogos Olímpicos de 2016, que aumentará sua capacidade para 60 mil espectadores, exigência mínima do COI (Comitê Olímpico Internacional). A previsão para o início dessa ampliação é para este ano de 2013.

O estádio foi arrendado pelo Botafogo de Futebol e Regatas a partir do dia três de agosto de 2007, tendo o clube o direito de exploração do espaço por 20 anos prorrogáveis por mais 20, ou seja, até 2047. Além do Botafogo, que é o administrador, o Engenhão abriga ainda como comodatários o Fluminense Football Club e o Clube de Regatas do Flamengo, que passaram a utilizá-lo após o fechamento do estádio do Maracanã para obras, em 2010. Outro clube que também utiliza o estádio frequentemente é o Clube de Regatas Vasco da Gama, mas apenas em clássicos contra os demais clubes grandes do Rio de Janeiro e em partidas de competições onde haja uma exigência mínima de disponibilidade de espaço. 

A interdição


No dia 26 de março de 2013, o então prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes convocou uma reunião com representantes dos quatro grandes clubes do Rio de Janeiro (Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco) e logo após uma coletiva de imprensa na qual comunicou a interdição do estádio. De acordo com Paes, as construtoras responsáveis pela construção do equipamento, a OAS e a Odebrecht, com fiscalização da RioUrbe (Secretaria de Obras do Município) detectaram que a cobertura do projeto apresenta problemas estruturais e oferece risco aos espectadores que utilizam o espaço, se levadas em consideração variáveis como velocidade do vento e temperatura. Os arquitetos responsáveis pela obra, Carlos Porto, Gilson Santos, Geraldo Lopes e José Raymundo Ferreira Gomes haviam dado um prazo de garantia que expirou no final de 2012. O prefeito do Rio informou ainda que não há uma data para a liberação do estádio. 

Consequências


O Engenhão foi interditado em um momento propício para uma série de debates, principalmente sobre a qualidade da construção e o interesse em fechar o equipamento para obras. O estádio do Maracanã, que foi inaugurado em 1950, passou por sua primeira reforma apenas em 1992, após a final do Campeonato Brasileiro vencido pelo Flamengo. Nesse ínterim, foram 42 anos servindo seguidamente ao público carioca até seu primeiro fechamento para reformas. O Engenhão, projeto que arquitetonicamente chama a atenção (principalmente de quem passa pela Linha Amarela, uma de suas principais vias de acesso), não tem seis anos de inaugurado e já apresenta falhas em sua estrutura. Dá pra apontar uma série de incompetências nesse caso. Primeiro do consórcio construtor, que se formos pesquisar a fundo será o mesmo responsável pela ampliação da arena. Consequentemente a RioUrbe, que não teve capacidade suficiente para apontar as falhas do projeto. E para fechar o pacote, as sucessivas administrações municipais que deram de ombros para o que estava acontecendo e só tomaram uma atitude quando o risco de tornou iminente. Ou então, para os mais exaltados, existe uma má fé de construir um equipamento que num futuro muito próximo terá problemas só para ganhar duas vezes.

Dado importante: a Odebrecht também é responsável pelas obras do Maracanã, juntamente com a Andrade Gutierrez (a Delta também era parceira, mas saiu após os escândalos envolvendo seu nome com o do bicheiro Carlinhos Cachoeira). Então não se surpreendam se acontecer daqui a alguns anos a mesma coisa que está acontecendo no Engenhão. 

O futebol no Rio de Janeiro


Por mais que diversos setores da mídia espalhem aos quatro ventos que há um crescimento de investimento no futebol do estado, o cenário é completamente diferente. O futebol no Rio definha, e a prova cabal disso é o baixo interesse do público no Estadual. Com o fechamento do Maracanã e agora do Engenhão, o Rio de Janeiro não tem um estádio de grande capacidade. Os únicos estádios liberados pela Polícia Militar para a realização de partidas dos quatro grandes clubes são o de São Januário, do Vasco (capacidade 24.584 pessoas), o de Moça Bonita, do Bangu (capacidade 9.564 pessoas), Raulino de Oliveira, em Volta Redonda (capacidade 21.000 pessoas), e o Cláudio Moacyr, em Macaé (capacidade 15.000 pessoas). Desses, nenhum possui autorização da PM para a realização de clássicos entre dois times grandes (tanto que o Vasco vem tentando há anos e sempre tem seus pedidos indeferidos, tendo sido realizado o último clássico em São Januário no ano de 2005). Além disso, outras arenas estão completamente abandonadas. É o caso por exemplo do estádio Giulite Coutinho, localizado em Édson Passos e pertencente ao América, do Caio Martins, localizado em Niterói e arrendado pelo Botafogo, e do Godofredo Cruz, que fica em Campos e é administrado pelo Americano. São equipamentos que já receberam por diversas vezes equipes grandes, mas que sofrem com o descaso tanto de seus mandatários quanto da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) e do poder público.

Nesse lamaçal que se tornou o futebol do Rio, não faltaram promessas. O prefeito do Rio Eduardo Paes, no início das obras do Maracanã, prometeu uma grande reforma também no estádio Moça Bonita, que segundo suas palavras seria utilizado como campo de treinamento auxiliar para a Copa do Mundo de 2014. No entanto o estádio, que pertence ao Bangu, nem receber partidas à noite pode, pois não existe iluminação artificial. O mais engraçado de tudo é que agora a PM deve acenar com a possibilidade de liberação de São Januário para clássicos (Vasco x Botafogo e Fla x Flu). E depois, quando os outros estádios estiverem liberados, vai inventar mais uma desculpa esfarrapada para proibir de novo o uso. Pura conveniência.

Para completar, tem o prejuízo do Botafogo de Futebol e Regatas com o fechamento do Engenhão. O clube utiliza o espaço como um dos principais atrativos para captação de recursos, com exposição de imagem e aluguel para eventos e shows. Com o fechamento, a diretoria do clube já cogita a remodelação de Caio Martins, o que convenhamos, já deveria ter sido feito há muito tempo. E o presidente Maurício Assumpção, em entrevista coletiva no dia da interdição, também acenou com a possibilidade de responsabilizar os envolvidos na ação de fechamento e cogitou indenização. Sinceramente, não acredito que o Botafogo ou qualquer outro clube de futebol tenha essa força no Brasil, de bater de frente com a administração pública e com a máfia das empreiteiras.

Ficam aí um monte de discussões iniciadas. Abraços!

quarta-feira, 13 de março de 2013

Bergoglio: Mudanças na Igreja acontecerão, mas somente dentro dos muros



Depois de eleito o novo papa, o argentino Mario Jorge Bergoglio, nada melhor do que uma pequena análise sobre os possíveis rumos da Igreja Católica neste início de Século XXI, uma instituição que tenta se encontrar e recuperar o espaço que vem perdendo gradualmente nas mentes e corações de seus fieis.

A escolha de Bergoglio, agora Papa Francisco I, reflete quais são as principais pautas do Vaticano após a saída de Bento XVI (Joseph Ratzinger). Conhecido entre seus pares como linha dura e disciplinador, o novo pontífice foi escolhido com a missão de dar um basta nos rachas políticos existentes na igreja, moralizar a instituição que no atual momento está manchada por acusações vindas de vários países, e que vão de lavagem de dinheiro à pedofilia, e retomar o rumo pretendido pela cúpula católica ao eleger Ratzinger como papa, que é priorizar um único rumo para a igreja voltado para a reafirmação da fé e dos costumes rígidos. E neste processo o novo líder católico tem vários fatores que contam a seu favor.

Francisco I é famoso por ter tido posições duras e rápidas em relação aos escândalos sexuais acontecidos na Igreja Católica na Argentina, punindo exemplarmente pedófilos, quando era arcebispo de Buenos Aires. E essa é a principal aposta do Vaticano. A presença de um homem com mão-de-ferro no poder pode servir como exemplo para os demais, já que os fieis esperam respostas rápidas de suas lideranças para encerrar de vez a chuva de acusações relacionadas à permissividade e a negligência dos setores católicos nas denúncias. A mesma esperança está presente na cúpula vaticana, quando elegeu Bergoglio para colocar ordem na casa. A Igreja Católica neste momento é uma instituição com enormes disputas de poder, e esses rachas internos já começavam a ameaçar a unidade entre suas ordens constituintes. Cabe ao novo papa balançar as estruturas e reorganizá-las da sua forma. Isso é claro, se não sofrer pressões ou interferências em sua tarefa.

Outro ponto importante a favor de Francisco I é o fato de pertencer a um dos setores da Igreja Católica mais admirados e reverenciados por seus fieis. Os jesuítas, um dos principais grupos responsáveis pela colonização e disseminação da Igreja Católica na América Latina, são a maior ordem religiosa católica do planeta com quase 20 mil representantes em 112 países. Essa extensão de poder possibilitará uma contra-ofensiva visando resgatar os fieis que o catolicismo vai perdendo para as doutrinas protestantes em todo o planeta, fenômeno representado no Brasil pelo neopentecostalismo e pela teologia da prosperidade. A doutrina franciscana baseada na humildade e na renúncia pode ajudar a humanizar a Igreja Católica no sentido de comunhão entre os povos.

Mas é claro que há limites, e aí estão os pontos negativos da eleição do cardeal Bergoglio. O novo papa, que tem 76 anos de idade, mostra que a cúpula do Vaticano não tem interesse em outro pontificado longo como o de João Paulo II, posição já mostrada com a eleição de Bento XVI, na época com 78 anos. Por conta disso, os documentos do Concílio Vaticano II, que podem possibilitar um início de reforma da Igreja Católica e adaptação da doutrina cristã da entidade para os novos tempos, dificilmente serão discutidos e continuarão guardados no mesmo lugar, onde estão desde 1965. Outro ponto negativo é a posição inflexível em temas atuais como o aborto, os preservativos, e as questões LGBT. Claro que ninguém esperava um pontífice que fosse abertamente favorável a uma mudança radical no catolicismo. No entanto, nem mesmo haverá a possibilidade de debate sobre esses temas, e o Vaticano continuará se escondendo atrás de leituras arcaicas para defender posições que nem sempre são coerentes e seguidas por seus fieis (ou alguém quer me enganar que católico não usa camisinha?).

A questão político-religiosa será outro ponto de tensão entre o novo papa e o restante do mundo. Até que ponto Francisco I será capaz de se despir das vaidades e fomentar o debate sobre a tolerância religiosa no planeta, como iniciou João Paulo II no final de seu pontificado? Nesse sentido, o catolicismo precisará aprender a conviver com dogmas que são minorias em países onde é a religião dominante, e impor sua presença em Estados onde é minoria. É um esforço complicado, ainda mais se tratando de uma entidade que em mais de mil anos foi a dominante em todo o mundo ocidental.

Desafios existem aos montes na questão religiosa. Dentre eles, elejo a busca da tolerância, do reconhecimento e da comunhão entre as individualidades como o maior deles. A Igreja Católica não pode virar as costas para o mundo contemporâneo e deve buscar levar à risca o principal mandamento de Jesus Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei, e ao próximo como a ti mesmo”. Independente se este pensa, age, tem escolhas diferentes e vive sob outros dogmas ou até mesmo sem dogma. Pois o importante é a bondade presente nos corações dos seres humanos. E isso não é a religião que vai ensinar, mas o caráter.

Boa sorte, iluminação e tolerância a Francisco I, o novo pontífice.